(Foto: Reprodução)
A imagem causa um misto de sentimentos em quem assiste: em plena pandemia da covid-19 — que parece nem ter chegado ao seu auge ainda no Brasil —, um dos hospitais de campanha construídos para dar suporte ao sistema de saúde do país não resiste a um forte temporal e fica alagado. A cena da água entrando feito cachoeira pelo teto é filmada, e logo viraliza em aplicativos de mensagens e redes sociais.
O fato aconteceu na madrugada do dia 27 de junho com o hospital do Anhembi, na Zona Norte de São Paulo. Dias depois, foi a vez do Rio de Janeiro também ser atingido por um forte temporal, e novamente imagens de um hospital de campanha alagado, dessa vez em São Gonçalo, começam a circular e chegam às redações de TV. Até que os jornalistas, depois de apurarem as imagens, notam que, na verdade, trata-se do mesmo vídeo gravado em São Paulo.
A situação descrita acima foi vivida pela jornalista Natashi Franco, que trabalha em uma das principais emissoras de TV do país. Ela fala que notícias como essa — as chamadas fake news — chegam diariamente pelos canais de comunicação que a redação tem com o público. Geralmente em tom alarmante, são recebidas e repassadas numa velocidade que se torna impossível descobrir a origem da fonte — o que dificulta ainda mais o trabalho de checagem do jornalista.
“A checagem é um trabalho gigantesco do jornalista”, explica Natashi. “A fake news, além de prejudicar a informação, reduz o trabalho do jornalista, porque em vez de ele ir atrás de uma notícia relevante, tem de parar o trabalho para checar se aquela informação é verdadeira ou falsa”, completa.
E a apuração, indispensável na profissão, torna-se cada vez mais necessária num tempo em que as pessoas acreditam muito mais em informações que são compartilhadas em redes sociais e aplicativos de mensagens do que no que é noticiado pela imprensa.
Isaac Santos, jornalista em uma emissora de rádio, também passou por uma situação parecida no período das fortes chuvas que ocorreram ano passado. O vídeo compartilhado mostrava um ônibus de viagem sendo arrastado por um rio; em determinado momento, o veículo fica preso embaixo de uma ponte, mas ainda assim, a enxurrada era tão forte que ele acaba sendo levado. “De fato, aconteceu, mas havia dois anos, e as pessoas repassavam como se fosse do dia anterior”, relata.
Muito além da política
Fake news se tornou um problema tão grave no Brasil que medidas legais para combater a disseminação deste tipo de notícia estão em trâmite na Câmara dos Deputados — o texto do projeto de lei foi aprovado pelo Senado em 30 de junho e se também passar pela Câmara, seguirá para sanção da presidência.
E combater este tipo de notícia não se trata apenas de uma questão política. Dependendo da gravidade da mentira disseminada, pode resultar em tragédias sem proporção, como bem lembra Isaac ao citar o caso de Fabiane Maria de Jesus, que foi linchada por moradores de um bairro em Guarujá, São Paulo, ao ser confundida com uma sequestradora de crianças. O retrato falado que circulava em redes sociais na época resultou no espancamento e assassinato da dona de casa de 33 anos.
Para Natashi, um dos grandes problemas da fake news é a apropriação que a pessoa que costuma espalhar uma notícia falsa faz daquele fato, dando a ela ainda mais legitimidade. “A pessoa fala ‘Olha só o que aconteceu em tal lugar’, e aí manda isso se apropriando dessa informação. Quando você se apropria, se torna personagem da informação, e quando se torna personagem, ela tem muito mais veracidade do que imagina. É aí que a fake news nos pega, é quando você tem uma cara para dar para ela.”
“Quem produz fake news, faz de tudo para a notícia falsa parecer o mais verdadeira possível, algumas vezes enganando até mesmo os próprios profissionais de imprensa”, admite Isaac. Natashi fala ainda que o volume de notícias duvidosas recebidas pela redação é tão grande que, eventualmente, uma ou outra acaba passando no filtro da apuração.
Muitas pessoas acreditam no que recebem por meio de redes sociais porque quase sempre é passado por alguém de confiança. Isaac alerta para o perigo das famosas “correntes”, ressaltando a necessidade de sempre se buscar fontes seguras, como órgãos oficiais e veículos de imprensa no texto da notícia.
Na dúvida, não compartilhe
“Quando você recebe uma informação encaminhada do tipo ‘Médico disse que usar vinagre é importante para combater o coronavírus’. Primeiro, você vai duvidar de quem é esse médico. Procurou o nome dele na internet? Ele precisa ter um cadastro em algum lugar. Colocou o nome dele no site do conselho [Federal de Medicina] e não achou, esse médico não existe”, ensina Natashi, que chama atenção também para os erros de português, que são muito corriqueiros em notícias falsas.
Por fim, a jornalista acredita que as fake news deram certo no Brasil por conta do demérito que sua própria profissão sofre. “Existe um embate muito grande entre a opinião pública com os canais de televisão, e esse embate fortaleceu a fake news. As pessoas preferem se informar por redes sociais do que se informar em canais de televisão, rádio, jornal ou revistas de grande circulação, que se baseiam na veracidade. As pessoas querem ouvir o próprio discurso sendo falado, não querem ouvir as opiniões diversas, e a fake news faz isso, faz com que você tenha voz. Sites que checam informações só mostram a importância de um jornalismo que está calcado na verdade. A verdade nunca muda. A forma de contar pode mudar, mas a verdade é imutável”, conclui Natashi.
Confira abaixo alguns sites que checam se a notícia é verdadeira ou falsa:
- Agência Lupa: Primeira do setor de checagem de fatos a ser criada no Brasil, está ligada ao site Folha de S. Paulo.
- Fato ou Fake: criado pelo grupo Globo, o site faz apuração de fake news de assuntos gerais que costumam ser muito compartilhadas.
- E-Farsas: é um dos mais antigos, criado em 2001. A equipe avalia boatos que surgem na internet.
Em tempos de pandemia, o Ministério da Saúde disponibilizou em seu site um canal de comunicação para combater notícias falsas.